«O homem de pouco vale, se não acreditar em Deus e obedecer às suas leis. Por isso todo o escoteiro deve ter uma religião.»
Baden-Powell, in Escotismo para Rapazes, p. 287.
Aproveitando esta citação de Baden-Powell, utilizada na última crónica, onde, a propósito de São Jorge – patrono Mundial do Escutismo – iniciamos uma breve apresentação do pensamento religioso do fundador a que queremos dar continuidade.
Baden-Powell era um batizado e por isso escreve em “O Caminho para o Sucesso”: «Deus Criador é reconhecido pela maior parte das diferentes confissões religiosas que, não obstante, divergem quanto ao verdadeiro caráter das relações do Criador com a alma humana» e «Na crença cristã tem-se por certo que Jesus Cristo veio viver entre os homens para lhes mostrar e fazer sentir que Deus é Amor e que os sacrifícios de oferendas feitas a Deus nas velhas religiões supersticiosas não eram tanto o que era preciso como o sacrifício da própria pessoa ao serviço de Deus.» (p. 196, edição de 1974).
Para o fundador, a religião (qualquer que seja) e o escutismo devem compenetrar-se intimamente e enriquecerem-se mutuamente. A religião será a base do escotismo e dar-lhe-á uma alma. O escotismo, nas suas vivências e atividades, fará passar a religião na vida. Assim, escreve no prefácio da 14ª edição inglesa do “Escotismo para Rapazes”, de 1923: «O fim da educação escoteira, é substituir as preocupações do “eu” pelas do “serviço”, tornar os jovens verdadeiramente fortes, moral e fisicamente, e dar-lhes a ambição de colocar a sua força ao serviço da comunidade. Nós não temos, no nosso movimento, nenhuma visão militarista. Não fazemos este tipo de exercício. Assumo o ideal de servir os nossos semelhantes. Por outras palavras, nós procuramos colocar o cristianismo em prática na vida e nos atos de cada dia, e não somente em professar as doutrinas ao domingo.»
O fundador nunca definiu este “cristianismo prático”. Aliás, sabemos que tinha pouca confiança nos textos sistemáticos que considerava, em muitas circunstâncias, redutores. Por isso, não vale a pena trilhar percursos que muitos já trilharam para encontrar uma eventual definição deste conceito, talvez, um dia, se possa encontrar um seu escrito inédito sobre a temática.
Goste-se, ou não se goste, a verdade é que Baden-Powell, apenas definiu (in “Guia do Chefe-Escoteiro”, 1ª edição, Porto, pp. 33 – 35) quatro áreas na formação escutista: 1. Caráter, 2. Saúde e força, 3. Habilidade manual e 4. Serviço do próximo. Só muitos anos mais tarde é que foi acrescentado um novo polo: a procura de Deus.
Na estrutura inicial a questão da religião está incluída na área da formação do caráter e no capítulo que a este tema se desenvolve podemos ler, páginas 58 e 59, da obra supra referida: «O alargamento do horizonte começa naturalmente pelo respeito de Deus que podemos melhor designar por “Piedade”.
O respeito de Deus, do próximo, de nós próprios como servos de Deus, está na base de todas as formas de religião. O modo de expressão de piedade para com Deus varia com as diversas crenças e denominações. A crença ou confissão a que um rapaz pertence depende, em regra, da vontade dos pais. São eles que decidem. Cumpre-nos respeitar-lhes os desejos e secundar-lhes os reforços para inculcar a piedade, qualquer que seja a religião que o jovem professe.
Podem surgir dificuldades…», e B.-P. continua: «É a seguinte a atitude do Escotismo respeitante à religião (…):
- Espera-se que todo o Escoteiro pertencerá a uma confissão religiosa e tome parte nos atos do seu culto;
- Quando um Grupo se compõe de elementos de uma só crença religiosa, espera-se que o Chefe-Escoteiro assegure as práticas e instruções religiosas que ele, de acordo com o capelão ou autoridade religiosa, considere as melhores;
- Quando um Grupo consta de Escoteiros de várias religiões, devem estes ser instigados a assistir aos atos de culto da sua própria confissão, e, em acampamentos, qualquer forma de oração diária e de culto semanal deverá ser o mais simples possível e de assistência a eles voluntária.»
E o fundador continua: «A religião “pega-se” não “se ensina”. Não é um traje exterior para usar ao domingo. É fator genuíno do caráter do jovem, desdobramento da alma e não verniz que se descola. É assunto de personalidade, de convicção íntima e não de instrução».
No pensamento de Baden-Powell a fé transmite-se pelo exemplo, pela vivência de vida quotidiana do adulto e demostra-se em todas as ações praticadas, pois «a fé sem obras está morta.» (Tg 2, 26), de igual forma, «o escoteiro é ativo fazendo bem e não passivo sendo bom», in “Escotismo para Rapazes, edição de 2007”, p.288.
CARLOS ALBERTO PEREIRA é empresário e ex presidente nacional do CNE – Corpo Nacional de Escutas, Escotismo Católico Português – residente em Braga (Portugal). Escreve uma coluna quinzenal para o jornal ‘Correio do Minho’, sobre escotismo.
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