O acampamento que originou a Federação Brasileira dos Escoteiros do Mar teve início no sábado dia 5 de setembro de 1921 e seu “gran finale”, aconteceu com uma fervorosa solenidade presidida pelo Ministro da Marinha, o Dr. Veiga Miranda, que tendo conhecido o escotismo em São Paulo através da ABE (Associação Brasileira de Escotismo, fundada em 1914) foi um incentivador e deu posse à diretoria da CBEM, que em um ano passaria a se chamar FBEM, supõe-se por questões jurídicas.
Dr. João Pedro de Veiga Miranda, Ministro da Marinha nos anos de 1921 e 1922.
O dia da pátria naquele ano, e último dia do acampamento a que se refere este texto, o 7 de setembro, comemorou os 99 anos de proclamação da república antecedendo o centenário da Independência do Brasil. Hoje, a reunião dos Escoteiros do Mar naquele local tão simbólico onde ocorreu a primaz “organização”, antecede também mais um centenário da Independência do Brasil, dessa vez o bicentenário, que ocorrerá em 2022.
Contextualizando o ano de 1921, dentre os acontecimentos em destaque, podemos citar o prêmio Nobel de física concedido a Albert Einstein; o nascimento do pedagogo Paulo Freire, das atrizes Maria Clara Machado, Cacilda Becker, Ruth de Souza, Yara Cortes e do norte-americano Charles Bronson. Aconteceu a morte da Princesa Izabel e do cronista João do Rio; foram fundados os clubes de futebol Cruzeiro (MG), Figueirense (SC) e o jornal Folha de São Paulo. Naquele ano acontecem as eleições para o Congresso do Brasil e o Marechal Hermes da Fonseca admitiu publicamente concorrer à Presidência da República no Brasil. No exterior, aconteceu a proclamação da República da Turquia, a Independência da Mongólia e foram criados os Partidos Comunistas de Portugal e da China.
O período que antecedeu à criação da FBEM foi cercado por críticas negativas, falta de crença e a indiferença de muitos. A “atmosfera” cercou a missão do Cruzador José Bonifácio por todo o período da sua execução. Existia a natural desconfiança dos brasileiros a cerca das ações promovidas pelo Estado e a modernização da pesca era uma ação institucional, e formal, que vinha ocorrendo desde o século anterior. A legitimação dos Escoteiros do Mar na figura da CBEM/FBEM, foi uma decorrência do projeto da missão do Cruzador, um fechamento dos trabalhos assim como ocorreu com as Colônias de Pescadores. O Sr. Paulo Vianna, primeiro presidente da FBEM, discursou na solenidade de fundação, com o tom, se referindo ao Cruzador José Bonifácio: “Por muito tempo foi aquele navio açoitado pela rajada da maledicência, castigado pelo tufão da calúnia, fustigado pelo frio vento da indiferença, mas, impávido e sobranceiro continuou rasgando os mares de uma aspiração nacional, firme no rumo que Gomes Pereira traçou a Frederico Villar. Passada a fase mais difícil da missão, qual foi tornar respeitada uma lei, que, não sei se a incúria ou desídia, mas o impatriotismo é certo, relegou ao abandono durante 36 anos.” O Velho Lobo, por sua vez, na revista “Escoteiro do Mar”, publicação oficial da FBEM, em 1937, escreve o seguinte no texto: “16 ANOS DE EXISTÊNCIA – … O 10º grupo, organizado pouco antes e já sob a direção desse chefe tenaz que ainda hoje o governa – Gelmirez de Mello -, serviu de esteio, de caverna mestra para a novel associação cuja existência ninguém poderia assegurar fosse longa tais as resistências que então existiam contra a implantação de uma obra vinda de climas tão estranhos. No entanto dia a dia a arvore foi crescendo, criando folhas e raízes. …“
No domingo, dia 6, o Ministro presenciou uma belíssima apresentação dos escoteiros cariocas, que durou até as 14hs. No dia 7, segunda-feira, formados os escoteiros Municipais do Distrito Federal e os da Associação dos Escoteiros Católicos do Brasil, mais os pescadores da Colonia Z-4 (Jurujuba), em frente ao palanque onde estavam as autoridades, o Ministro da Marinha, o Sr. Veiga Miranda, em um patriótico discurso, saudou os escoteiros e os pescadores, dizendo dentre muitas belas frases que estava feliz com a magnitude daquela festa em que os valorosos escoteiros promoveram num belo gesto de fraternidade e nítida compreensão de civismo.
A diretoria foi, portanto, empossada, presidida pelo Dr. Paulo Vianna, que declarou que a Confederação Brasileira dos Escoteiros do Mar, instituíra dois prêmios que seriam disputados anualmente, a partir de 1922, para a tropa ou grupo de escoteiros que melhor colocação obtenha por ocasião do concurso ou Congresso-acampamento que se realizar nesta Capital, sendo eles a taça Dr. Veiga Miranda, e a estatueta de bronze Le Scout ‘Comandante Frederico Villar’. Após algumas demonstrações dos escoteiros, o Ministro se retirou, ao som da banda dos Fuzileiros Navais que realizou uma apresentação.
Dr. Paulo V. da Rocha Vianna, primeiro Presidente da FBEM.
Compareceram a solenidade: Dr. Veiga Miranda, Capitão Tenente Virginius de Lamare, Contra-Almirante Aristides Vieira Mascarenhas, Comandante Geral do Corpo de Marinheiros Nacionais, Deputado Estadual José Portugal, Coronel do Exército João Ignácio da Silva, Capitão do Exército Frias Villar, Bruno Nunes, Coronel Americo Fróes e Exma. Família, Coronel João Ignácio da Silva e Exma, Família, Capitães A. Freire de Vasconcellos e Frias Villar, Capitão Tenente Virginius de Lamare, Primeiros Tenentes Gumercindo Loreti e Banjamin Sodré, Astrogildo Azevedo, Carlos Maul, Francisco de Paula Machado, Tancredo Vieira, e senhora, J. A da Silva e senhora, Dr. J. E. Peixoto Fortuna, Capitão Benjamin M. de C. e Oliveira, Luiz Jorge Vidal, João Miranda, Bruno Nunes, Gabriel Skinner e senhora, D. Agostinha de Oliveira Diretora da Escola “Oswaldo Cruz”, D. Maria Rosa Ribeiro, Diretora da Escola Dramática Brazileira, Dr. Paulo de Oliveira e muitas outras. Foram empossados dos seus cargos como os Srs. Dr. Paulo Rocha Vianna, presidente; Capitão Engenheiro Militar Antonio Freire de Vasconcellos, Vice-presidente; Dr. J. E. Peixoto Fortuna, vice-presidente; 1º Tenente Gumercindo P. Loreti, secretário-geral; 1º Tenente Benjamin Sodré, do Conselho Técnico Superior; Bruno Nunes, tesoureiro; Gabriel Skinner, Diretor Técnico Geral.
Encerradas as palavras do Ministro da Marinha, foram feitos alguns exercícios de demonstração, pelos escoteiros para o Dr. Ministro. Os discursos que finalizaram o evento foram feitos pelos Srs. 1º Tenente Gumercindo Loreti e Dr. Paulo Vianna. Finalizando algumas observações sobre o Acampamento de Jurujuba, deixo o motivador texto do Almirante Benjamin Sodré, que retrata bastante do que foi o início da FBEM.
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“16 ANOS DE EXISTÊNCIA – Desde que me conheço guardo o velho costume de no dia que completo mais um ano de existência fazer um balanço retrospectivo dos meus dias. De há alguns anos passei a estender esse hábito à FBEM que é, pelo amor que lhe tenho, uma parte integrante da minha vida. No dia da festa da “Federação” dou um almoço silencioso, intimo, para mim mesmo, no seu passado, procurando rememorar e analisar todas as suas fases, desde o dia remoto em que, há dezesseis anos, num inesquecível acampamento no Saco de São Francisco, com a colaboração amiga das duas únicas Federações então existentes, – Associação de Escoteiros Católicos do Brasil e Associação de Escoteiros Municipais, entre hinos e gritos de saudações, entre palavras cheias de fé de Loretti, Villar e Skinner, com a presença animadora do saudoso Almirante Gabablia, ficou oficialmente fundada a FBEM. O 10º grupo, organizado pouco antes e já sob a direção desse chefe tenaz que ainda hoje o governa – Gelmirez de Mello -, serviu de esteio, de caverna mestra para a novel associação cuja existência ninguém poderia assegurar fosse longa tais as resistências que então existiam contra a implantação de uma obra vinda de climas tão estranhos. No entanto dia a dia a arvore foi crescendo, criando folhas e raízes. Aos grupos existentes, Santos, Jequiá, 10º, Cabo Frio, outros se acrescentaram – Jurujuba, Copacabana, São João da Barra, Cajú, Saquarema, Paquetá, Euclides da Cunha, etc., e nos Estados grupos no Pará, Maranhão e outros Estados. Vieram os primeiros frutos dos quais nosso ‘Livro de Ouro’ constitui precioso trabalho. “
De início as nossas atividades de mar eram restritas, as fazíamos em barcos alugados. Tivemos depois os nossos ‘navios ‘, o primeiro dos quais foi o ‘Escoteiro do Mar’ oferecido pela população de Paquetá aos seus escoteiros, de que muito se orgulham.
Veio depois o amparo da Marinha e passamos a ter maiores felicidades em embarcações, recursos, instalações. Entramos na época dos grandes feitos: organizamos a UEB, o governo da República premiou com medalhas de mérito, por salvamento com perigo de vida, nada menos do que quatro escoteiros de mar; o 10º realiza as suas grandes proezas – os seus cruzeiros ao farol da Rasa e à Ilha Grande; tivemos á nossa disposição o ‘Espadarte’; a nossa Escola de Chefes nos dava novas turmas.
O trabalho prosseguia, as vezes com alguma solução de continuidade, especialmente nos Estados. Na direção Central porém as Diretorias se sucediam sempre com a mesma orientação. Uma tomava o trabalho do ponto onde a anterior havia deixado e prosseguia. Esse tem sido incontestavelmente o mais belo aspecto da vida da nossa Federação: temos tido a felicidade de viver sem recuos, sem sinuosidades, num trabalho que é uma estrada quase reta. Hoje, mais do que nunca a nossa vida é firme.
Olhando para trás podemos antever o nosso futuro. Essa é a grande lição da História, – nos ensina a ter firmeza no porvir pela confiança que o espetáculo e as lições do passado nos inspiram.
Dezesseis anos ficaram para trás. Olhemos dezesseis para frente. O que seremos em 1953, mantendo, como havemos de manter, esse mesmo espírito de coesão entre nós, esse mesmo sentimento de fidelidade e de fé nesse movimento, que nos tem exigido alguns sacrifícios mas que nos tem pago de sobejo com tantas alegrias e prazeres morais…
Nos orgulhemos do nosso passado, ele o merece. As mais belas páginas do escotismo brasileiro tem sido traçadas por Escoteiros do Mar através de seus feitos e salvamentos. Nos orgulhemos desse uniforme que é o nosso distintivo exterior, lhe usemos com altivez porque, como uma bandeira, ele condensa dezesseis anos de vida nobre, profícua, útil aos homens e ao Brasil. – Velho Lobo”
ANDRE TORRICELLI ex Coordenador Nacional dos Escoteiros do Mar e ex Conselheiro Nacional da UEB, foi Presidente do Centro Cultural do Movimento Escoteiro é pesquisador da história do Escotismo do Mar há 20 anos e atualmente coordena o Grêmio de Vela do CCME.
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